UMA PREGAÇÃO ILUSÓRIA OU O MAL DA FALSA PERSONIFICAÇÃO
(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)
“A verdade e a mentira eram amigas, muito amigas, a mentira muito atirada, a verdade, não. Certo dia, a mentira convidou a verdade para um passeio. Chegaram até onde existia um lago, lugar muito bonito e aprazível. A mentira se desnudou, entrou na água, e ficou chamando a verdade para também entrar naquela água. Embora relutante, a verdade também se desnudou e entrou na água. Quando a verdade já estava com água quase a lhe encobrir a cabeça, a mentira foi se esgueirando, até que saiu da água e se aproveitou das roupas da verdade, vestindo-as e rumando em direção à cidade. A verdade, sem suas roupas, considerou que não devia dar gosto à mentira, caso vestisse as roupas desta e, então, nua, saiu em direção à cidade, também. As pessoas da cidade, então, vendo a mentira com roupas vistosas da verdade, ficaram a lhe dar atenção, enquanto a verdade, nua, passou a não ser considerada como tal”. É como se tem no comportamento de pessoas farisaicas, sepulcros caiados, bonitas por fora, a falsa mentira bem vestida e enganosa; por dentro, imundícies, a verdade nua e crua. Então, nem uma nem outra, pois ambas somente aparentam aparências. Por certo, em indimensão do sempre (do eterno), em indimensão do sem-limites (do infinito), a verdade que liberta nunca há como ter amizades com mentiras. Isto só mesmo em estorietas, como a que aparece acima, entre aspas. E é preciso que diga que vi essa engenhosa estorieta de um padre, em homilia. Diga-se, então, que a verdade não pertence a nenhuma ex-istencialidade. Ela nasce na graça de divina vontade, que é crística, ínsita nela a liberdade, sem a qual tudo quanto se possa dizer como verdade é falso. Deus-amor, puríssimo amor, eterno, infinito; Mal, o mistério do falso e enganoso das aparências que aparentam. Com elas, surge o mundo em fiat lux, com vocação autodestrutiva inevitável, em direção a um fim – escatologia. Contudo, verdade que liberta, de nascer de novo, puro e puríssimo amor inex-istencial, sem agora nem outrora, eterno, infinito. O amor puríssimo na inex-pressão de si próprio, de si mesmo, não ilude; contudo, o fiat lux, com fim em si mesmo, explica a especial proteção de um Éden paradisíaco. Como escrito, no concerto celeste de anjos, arcanjos, querubins e serafins, o Mal, em mistério no coração luciférico de um daqueles anjos (Lúcifer), não escondeu desejo de ser puro amor, como Deus, lançando-se ao comércio de si mesmo e a acreditar na própria beleza e formosura, daí o estado de guerra, cujo teatro espiritual nenhuma parecença guarda com as guerras protagonizadas entre homens. Deus-amor, com Unigênito Filho, que é arcanjo Miguel, já aponta o superior em amor, face ao Mal, vencendo-o, não o aniquilando, precipitando-o, porém, com um terço dos seus rebeldes, para a terra do mundo criado de um fiat lux provisório, pois o amor, se não compreende aniquilar, também oferece a ex-tensão desse mesmo mundo criado, onde o Mal permanece a rodeá-lo. Então, ordem de amor e de verdade, com liberdade. E a desordem decorrente do fiat lux, aparentando aparência de amor e de verdade, vem suportando (no sentido de dar suporte) tantos adãos e tantas evas habitantes do derredor daquele Éden-jardim, que é o mundo, com enganadoras mentiras vestidas de verdades. Para vencer esse mundo de mentiras e de ilusões, só a arma de quem pode ferir cabeça e deixa o Mal vencido e preso, até que se consuma este século. O Mal, conquanto o zelo divino ao criar o homem, colocando-o num jardim de delícias, mesmo assim dialoga com a realidade de carne desse homem, aliás com forte argumento perante o Amor, a quem sempre diz que o homem-carne é dele; e é! Paulo teve a coragem de assim reconhecer. Leia-se esse reconhecimento exatamente como assim está posto na Carta aos Romanos, no Capítulo 7, versículos 14-25. Portanto, eu digo que vi os efeitos do pregar daquele padre, na igreja, assomando e se assenhoreando de quantos, homens e mulheres, na quietude de uma absorção diretiva de quem dita e impõe, termina fazendo-os engolir aquela mentira e aquela verdade da estorieta. Guarda-se ela (a estorieta) nesse reconhecimento de Paulo. Já a verdade que liberta, sem contraponto de mentira, anula esta com pauladas na cabeça do Mal, anulando a este e à sua arma fraca, tão fraca que não passa de poder ferir somente até os calcanhares. E esta performance é do Filho, Unigênito Filho, livrando o Amor do dissabor da criatura desobediente, mediante a obediência daquele Filho, na linha de vontade que unicamente há de prevalecer – a vontade divina -, nunca a de nenhuma mentira, nunca a de nenhuma verdade, como as tais da reles estorieta.