Um corredor estranho, muito estranho. Era estreito e tão comprido que me parecia infinito. A luz que nele havia era muito fraca e uma nuvem de vapor enchia a sua extensão. Apesar de tudo isso, era-me possível ver qualquer coisa que estivesse a uma distância de dez metros.
Procurei investigar a mim mesmo. Fui até o meu coração, o meu cérebro, os meus membros superiores e inferiores. Foi u’a análise completa a que eu fiz. No fim de tudo, concluí que estava assombrado. Muitíssimo assombrado. O coração, este batia fora do normal; o meu cérebro fazia conjecturas mil em torno de coisas pavorosas; minhas pernas e meus braços tremiam de u’a maneira que eu já não podia dominá-los.
Como, porém, eu me lembrei de que todo o medo é filho do desconhecido, procurei investigar melhor o lugar onde eu me achava. Andei para lá e para cá. Encostei-me a uma das paredes do imenso corredor. Notei que elas estavam molhadas e que, delas, era de onde provinha todo aquele vapor que tomava conta do ambiente. O medo, porém, é que agora passou a tomar conta de mim. Fui conhecer o desconhecido e este me deixou cada vez mais ignorante a seu respeito. É verdade que eu conheci aquelas paredes. Estive bem próximo a elas, Mas, e o mistério daqueles vapores? E o olor agradável que delas promanavam? E aquele calor de quarenta graus que eu temia fosse aumentado?
Como se tudo isso que me estava acontecendo não fosse bastante, ao me virar repentinamente, depois de ouvir um arrastar de sapatos, deparei-me com uma pessoa estranha. Trazia apenas como roupa um calção. Tinha o tórax e parte do abdômen semi-encobertos por uma toalha de cores álacres, a qual descia desde o seu pescoço. A sua cabeleira era constituída de cabelos lisos e longos e bem penteados. Uma barbicha reluzente e um bigode de pontas recurvadas deixavam quase que escondida a sua boca. Tinha olhos fuzilantes, nos quais facilmente se percebia a ira de que estava possuído.
“- Propalar uma notícia, sabendo-a mentirosa, é ser duas vezes mentiroso”.
Agora passava a me recordar de tudo. A frase que eu acabara de ouvir fora aquela que, ontem, na roda de amigos, eu pronunciara, com relação ao senhor Mário, o proprietário da sauna que eu freqüentava. É verdade que eu atribuíra a ele o boato que corria, segundo o qual se dizia que eu era um velhaco; boato cuja fonte eu confesso não ter a absoluta certeza. Apenas desconfiava do senhor Mário.
” – Propalar uma notícia, sabendo-a mentirosa, é ser duas vezes mentiroso”. – dizia mais uma vez o estranho.
O vapor agora aumentava a sua intensidade. Aumentava também, em decorrência disso, a temperatura.
E começava, a partir deste ponto, a perseguição. Corri quilômetros e quilômetros. O homem de barbicha veio se aproximando de mim. Trazia uma chibata numa das mãos. Agora mais perto de mim, vi que se parecia muito com o senhor Mário. Não deixava de repetir aquela frase. E vinha se aproximando, disposto, ao que tudo indicava, a bater em mim. Que fazer? Correr. Para onde? Só havia mesmo uma saída. Não havia escolha. Fui, então, saindo do lugar onde eu estava, no sentido contrário ao estranho. Apressei um pouco os passos, para dele distanciar-me. Ele, por sua vez, assim procedeu também. Pus-me a correr e ele prontamente procurou fazê-lo também. E, por isso, pensei: ganha quem tiver mais resistência. O corredor era comprido por demais. Parecia não ter mesmo fim.
As minhas forças estavam já se exaurindo. O estranho cada vez se aproximava de mim. Senti, inclusive, o roçar da sua chibata na região lombar. Ia já me entregar, quando vi ao longe uma luz; luz de uma claridade tamanha que chegava a me deixar deslumbrado. Por isso apressei os passos, mesmo sem quase dispor de condições para tanto. Deveria aquela luz ser uma porta, uma saída, um lugar onde eu pudesse me esconder. Poderia também – quem sabe? – encontrar alguém que me acudisse.
Aproximava-me daquela luz. Não era, todavia, uma simples luz. É que eu chegara ao fim do quase interminável corredor onde agora a temperatura estava altíssima, devido ao vapor, por sua vez também intensíssimo, o qual, entretanto, não me impedia a visibilidade daquela luz, que não era uma simples luz, como já disse e repito. Era um espaço. Um espaço simplesmente. Um espaço sem sol, sem nuvens, sem azul. Era, acima de tudo, um espaço muito claro. Claríssimo. Nele se via, além da claridade estonteante, um escuro plúmbeo que dominava os seus horizontes, depois do qual e sempre embaixo de mim, eu via como que u’a montanha de espuma.
Já então eu deixara de ser perseguido pelo estranho. E eu fui perdendo altura nesse espaço luminoso. Fui caindo, caindo. A princípio, com pouca velocidade. Depois, esta foi aumentando, aumentando. Aquela espuma que eu divisara de tão longe estava já bem perto de mim. O meu corpo viajava a uma velocidade incrível. Nada, porém, eu temia, porque o local para onde me dirigia era espuma. Só espuma.
Uma forte pancada eu senti na cabeça, depois da qual abriram-se-me os olhos. E o espaço que eu passava a ver agora não era outro, senão o das quatro paredes do meu quarto.
Eu havia caído da cama.