A liberdade consiste em a pessoa alcançar tudo aquilo quanto deseja. Havendo que seja um obstáculo, liberdade não há. Vê o passarinho na árvore. Pode-se dizer que ele está livre? Não. A semi-liberdade que ali existe já sofre restrição só pelo fato da nossa presença, pois ela o perturba. Por acaso já viste um pássaro voar somente por causa da tua presença? E nem mesmo com a ausência do ser humano existirá liberdade para um passarinho que, alegremente, esteja a cantar em uma árvore. Por acaso não está ele sofrendo o risco de ser apanhado por um gavião? Ora, se isso acontece com os passarinhos, por que não deixaria de acontecer também com os seres humanos? Imagina um ser humano isolado em uma ilha. Atenta bem: i-so-la-do. Poder-se-ia pensar aí em liberdade? É claro que não. E as onças? E as cobras? E mesmo os pequeninos insetos cuja mordedura é fatal para qualquer ser atacado por eles? Objetar-me-ás com a eliminação desses bichos? Sim, é claro que o homem pode fazer isso. Mas será que aquele homem poderia ter uma completa liberdade depois de empreender uma guerra de exterminação contra tais seres? Engano, puro engano.
Olho ao meu redor e procuro a liberdade. Procuro-a por todos os lugares e não a encontro. Onde estará ela? Existirá mesmo essa tal liberdade?
Pois bem, interessada que és pela solução dos problemas, certamente deve ter ficado em ti a ânsia de saber o porquê de tantas indagações. Não, não precisas te esforçar na busca de uma resposta. Eu mesmo irei dá-la a ti. Olha, eu te garanto que se fosse eu aquele homem solitário – aquele ilhéu de que te falei – não me deixaria levar por tão falso convencimento. Não iria eu pensar em liberdade, naquela sua situação, pois ela, para mim, mesmo com o extermínio de todos os animais que me fossem nocivos, não viria a existir. E então perguntar-me-ás: “O que é, finalmente, a liberdade?” Dir-me-ás, ainda mais, que nunca poderás me compreender. Por isso, eu já vejo também que não poderei prosseguir, sem, antes, esclarecer-te, de modo direto, o meu pensar. E esse esclarecimento agora o terás, pois eu te digo, presta atenção, eu te digo que liberdade no puro sentido não existe. Dificilmente é que existirá. Sei mesmo que ao homem nada é impossível. Mas como toda a regra tem uma exceção, acrescente-se que neste nada algo há que a criatura humana não pode realizar, pelo menos no tempo atual: a liberdade.
Procura refletir um pouco e me responde esta pergunta: estaria aquele ilhéu em pleno estado de liberdade, isto é, de fazer tudo quanto quisesse? Qual seria a tua resposta? É bem verdade que espero de ti uma resposta negativa. E isso é bom demais, pois, com tal resposta, eu já sinto que estás te assenhoreando da verdade. Já verás que, mesmo senhor absoluto da sua ilha, aquele homem não está em liberdade. E acrescentarás que ele ainda é um escravo. Sim, um escravo não de outros homens, nem de animais ferozes, mas, sim, escravo em virtude do seu próprio existir, do fato simplesmente de existir. Dir-me-ás, por exemplo, que o querer imobilizar-se por muito tempo, por exemplo, é impossível, pois haverá de chegar a fome, a sede, o sono e, então, onde estaria a sua liberdade? Afinal de contas, não se trata de um querer seu? Por que não o pode realizar, então? Que é de sua liberdade? Não consiste ela na possibilidade de fazer tudo quanto se quer? Ora, quantos obstáculos existem para que isso seja verdade! Sem falar no obstáculo maior, aquele que impossibilita o querer perpetuar-se, por exemplo. Este sim é que é o empecilho fatal, inadiável, duro, horrível, triste e passível de adjetivações as mais cruentas. Não será preciso que eu te diga que monstro é esse, pois já vejo os teus lábios se juntarem para pronunciar o mais triste dos vocábulos, razão por que eu procuro tapar meus ouvidos, mas, mesmo assim, como se de longe fosse, eu ouço da tua linda voz as sílabas pronunciadas como se a imitar verdadeiras marteladas: mor-te, mor-te, mor-te.
A tristeza agora abate muito mais o teu ser. Se tão cheia de desengano estavas, agora sim mais desanimada te vejo. Estou certo de que te arrependeste por me teres dado ouvido. Já eu te digo que não te deves arrepender, pois ainda tenho que te dizer a notícia mais importante. Por que não olhas para as minhas mãos? Já olhaste? Muito bem. O que vês? Um livro, um livro de capa preta, bastante volumoso, folhas de papel fininhas? Sim, um livro preto vês. É de um negrume como que simbolizando tudo quanto de ruim há neste mundo. Não sabes tu que entre as duas capas pretas deste livro está a maior felicidade que o homem pode encontrar. É um livro que conta a estória da vida de muitos homens. Dentre esses, um se destaca pela magna importância de suas sublimes palavras, dotadas de profunda espiritualidade. É o homem que trouxe o remédio certo para a alma pecadora. E também para os espíritos aflitos como o teu. Ele que trouxe o sedativo para a cura da alma que ainda se encontra presa na capsula do tempo. Ele que é o único que nos pode dar a felicidade no seu sentido pleno.
E agora, que vejo eu, então? Ergueres-te e, de repente reanimar? Sim. E, enfim, consultar-me: “É o Cristo, é o Cristo esse homem?” E eu positivamente vou te respondendo. E uma transformação vou percebendo no teu rosto. Vejo que a tranqüilidade tomou conta de ti. Já acreditas, enfim, na infinita bondade de Deus. E vejo-te sair, e te vejo indo pelos caminhos para dizer a todos os recantos do mundo que deixaste de ser a jovem triste que sempre foste.”
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Você que me lê, caro leitor, preste também atenção: eu falei tudo isso a Mariazinha e, a partir do dia seguinte, ela se encontrou com o Senhor, encontro que todos os dias se renovou com a leitura concentrada e cheia de veneração que ela passou a fazer da Sagrada Escritura.