Desde que se casara pela segunda vez vivia atormentada. Tinha a impressão de que algo não estava certo em sua vida. Na verdade, tratava-se de u’a mulher que nunca tivera dificuldades econômicas. Possuidora de complexo industrial, jamais pôde sentir o menor efeito da miséria. Levava uma vida cercada de um luxo exuberante, vivendo em u’a mansão que era verdadeiramente um encanto, fruto das mais novas e avançadas concepções da arquitetura.
Casara-se, tinha apenas quinze anos. Tivera uma vida conjugal sem anormalidade, tendo-lhe nascido um filho, cuja existência foi bastante efêmera, posto que, vítima de uma enfermidade incurável, morreu aos sete anos de idade. Foi esta, sem sombra de dúvidas, a primeira grande decepção de Heloísa, em meio a sua riqueza, beleza e vaidade. Sofreu demasiadamente a perda do seu Mariozinho. Demorou muito tempo para voltar à vida de tantas alegrias em que sempre esteve envolta. O seu marido acabou curando-a completamente e passou a considerar a morte como um fenômeno naturalíssimo.
Nicássio completara já vinte e cinco anos de casado com Helô. Toda a sua vida junto à rica mulher transcorreu dentro da mais perfeita união e felicidade, tendo havido como grande decepção apenas a morte do filho, como já fizemos ver. Tratava-se de um homem dotado de uma profunda resignação, coisa que não acontecia com Heloísa. A sua companhia contribuiu decisivamente para que sua mulher aceitasse normalmente a perda do seu único filho.
Agora, passados já dezoito anos da morte do filho, a riquíssima senhora já não mais contava com quem tanto a ajudara no esquecimento daquele que fora o golpe que tanto lhe doera. Nicássio, por questões que não vieram a lume, suicidou-se.
Helô, por sua vez, se servira da lição do ex-marido. Sim, a morte era um fenômeno naturalíssimo. Assim sempre se expressava Nicássio. E para a viúva importava-lhe, agora, viver. Viver intensamente. Importavam-lhe, também, os negócios. Não estava tão velha assim. Contava com quarenta anos apenas. Cria na sua capacidade de realização, como também na sua capacidade afetiva. Sentia-se, outrossim, bastante atraente. E assim, pôs-se a trabalhar com afinco, não deixando de se divertir sempre.
Não passou muito tempo e logo estava casada novamente. Contraiu novas núpcias, quando ainda não fazia um ano da morte do marido. Desta vez escolheu pessoa muito mais jovem do que ela, ao contrário do que lhe aconteceu ao convolar núpcias pela primeira vez. Hélio tinha apenas dezoito anos, quando se casou com a importante industrial.
Nicássio era coisa do passado. É verdade que ele dera a Helô bastante estabilidade emocional e moral durante todo o tempo em que com ele viveu. Faltava-lhe, no entanto, aquele calor de macho novo, dotado de bastante energia, coisa de que tanto ela necessitava para se satisfazer sexualmente. Agora, contava com o vigor de um jovem bonito e possuidor de uma saúde de ferro. Hélio era um homem dedicadíssimo a sua esposa. Dava-lhe aquilo que mais ela vivera a reclamar intimamente.
Certa noite, Hélio dormia um sono bastante profundo. E Helô revirava-se na cama, não porque estivesse necessitando de homem. Até que Hélio a tinha saciado completamente naquela noite. A insônia de Heloísa prendia-se a outro fator. Tivera pesadelos nas três noites anteriores. Pesadelos durante os quais sentia a presença de uma pessoa, cuja voz ela ouvia, sem, contudo, poder precisar de quem realmente se tratava. Naquela noite, porém, ela não dormira. E pôde se aperceber da realidade. Seu esposo, em meio ao pesado sono, falava. Sua voz era perfeitamente reconhecível, como sendo a de Mariozinho, o filho já morto, pedindo-lhe insistentemente a bênção.
Helô sentiu estar diante do filho que perdera, fazia já dezoito anos. Aquela voz só poderia ser o seu espírito. Céus! O espírito do seu filho no corpo do seu marido!
A partir de então, Heloísa pôde sentir o verdadeiro mal que a atormentava. Na verdade, sentia algo estranho. Jamais pôde imaginar aquilo que acabava de ver e ouvir. E isto, ao invés de lhe diminuir o tormento que a cercava, mais o aumentou. E não era para menos.
Passou, então, a analisar promenorizadamente o comportamento de Hélio. Estudava-lhe os gestos, procurou aguçar sua atenção em tudo aquilo que dizia respeito aos verdadeiros sentimentos do rapaz, logo concluindo que o comportamento do seu marido era como se ele a tivesse como sendo a sua verdadeira mãe. Sexualmente, o comportamento entre ambos era normal. Em termos de afetividade, porém, tudo fazia concluir por um sentimento de filho para com a sua mãe. Hélio buscava constantemente proteção na pessoa de Helô.
Até que um dia, à hora do jantar:
– Mãe!
Heloísa quase teve um passamento. Ouviu perfeitamente a voz de Mariozinho saindo da boca do seu marido. Os seus gestos repetiam aqueles mesmos do garoto que morrera há dezoito anos. Era mesmo verdade o que Heloísa suspeitava.
Desde então, ela não encontrou mais coragem para conviver com Hélio. Aquele homem encarnava, sem sombra de dúvidas, o espírito de Mariozinho.
A verdade é que, meses mais tarde, estavam separados. Hélio, ainda hoje, não entendeu o motivo da separação.
Heloísa não revelou o seu segredo a ninguém. Levou-o consigo até seus últimos dias de existência. Sabia que lhe era impossível encontrar outro Nicássio para fazê-la resignar-se. Procurou, então, o mesmo caminho do primeiro marido. Quem sabe assim o tenha feito para conseguir resignar-se junto a quem a fez se conformar com a sua primeira grande decepção..