REENCONTRO

Um grito lancinante cortou o silêncio que fazia naquela noite fria e escura. Aquela figura esguia de mulher estava invadida de u’a amargura profunda. Verdadeiramente, tratava-se de um acontecimento inédito. O fato deixou toda a cidade em polvorosa. Lamentava-se a triste sorte a que chegara a bela e sensual Carlota. Mulher de seus vinte anos, tivera a desdita de entregar-se a um homem com o qual não veio a se casar. Amava-o, é bem verdade. Continuou amando-o, mesmo depois de ele haver sido assassinado barbaramente. A família da desditosa jovem matara-o, após haver-lhe extirpado o pênis. Desse dia em diante, Carlota perdera o sentido das coisas. Não reconhecia ninguém, não conversava. Passou a viver sozinha, consigo mesma, muito embora vivesse rodeada por seus familiares. Não se sabia o que se passava pelo seu espírito. O certo, porém, é que ela se viu invadida por um ódio profundo. Passou a odiar os homens, principalmente os da sua família. Eles que lhe retiraram a maior fortuna da sua vida. Mas, no seu íntimo, nunca se esquecera um só momento do belo semblante de Adão. Conheceram-se ainda pequenos. Tinham certa vez feito um pacto de amor: o de jamais viverem separados. Aquela união era coisa sagrada – decretaram. Homem nenhum tinha o direito de usurpar-lhes a felicidade.

Vivia imbuída dessa fortuna. Tão certa vivia de que Adão jamais a deixaria que, mesmo morto, sentia-se impossibilitada de acreditar nessa realidade. Para ela, Adão simplesmente havia feito uma viagem e não tardava o dia do seu regresso.

Os familiares até que se arrependeram do ato criminoso. Queriam vingar a sua honra e assim o fizeram, matando o jovem Adão. Impossível seria permitir o casamento de Carlota com um homem por quem nutria o maior dos rancores. Adão desvirginara Carlota. E no código de honra da família fato dessa natureza não se punia com o casamento e sim com a morte do ofensor. O mal, pois, estava concretizado. A família via como um incômodo para ela o casamento daqueles jovens. Já bastava a desonra feita. A moral em que vivia mergulhada só permitia concluir que aqueles dois eram sangues que se não podiam unir.

A família de Carlota procurava a todo custo cura para a sua filha. Em vão foram os tratamentos médicos. Nenhum deles surtiu o resultado desejado. Ela continuava calada, sempre procurando se afastar das pessoas, evitando conversas. Ninguém, porém, podia adivinhar a esperança que ela trazia dentro de si. Adão não morrera. Viajara. Qualquer dia desses estaria retornando. E então ela teria tudo aquilo que queria neste mundo. Passou a viver assim, envolvida por essa esperança. O seu mundo era Adão. Somente ele. Por isso é que se deixou rodear por tudo quanto ele lhe dera de presente. Quando não eram os presentes, ficava a mirar as cartas que ele lhe escrevera, isto por horas inteiras; cartas amorosamente escritas.

“Amor: A vida só é vida com você. Mesmo depois dela, eu quero viver. Sozinho não sinto nenhuma alegria. Quero ter você perto de mim, bem junto de mim, onde quer que eu esteja. Sinto-a dentro de mim, fazendo parte de mim. Adoro você. Não me deixe nunca. Se eu estiver longe, corra, venha me buscar. Logo, logo, não demore…”

Carlota levantou a cabeça. Eram duas horas da manhã. Aquela fora a última missiva apaixonada que ele lhe escrevera. Ficou pensando, pensando. Precisava de Adão ali, agora. Onde encontrá-lo? Era preciso sair para ir ao seu encontro. Tudo era silêncio. Preveniu-se quanto ao cometimento de qualquer barulho, pois poderia acordar alguém dentro de casa. Se tal acontecesse, não poderia fazer o que tinha agora em mente. A carta que terminara de ler tornou-a resoluta, no sentido de sair à procura do seu amado.

Penetrou numa rua escura. Será que havia faltado energia? – interrogou-se. As casas, todas elas também escuras. Mas isto não trouxe uma pontinha de medo sequer a Carlota. Estava deveras decidida. Estava imbuída de uma necessidade: achar o seu mui querido e amado Adão. Ele a esperava em qualquer lugar, tinha certeza. Poderia deixar de acreditar em suas últimas palavras escritas?

Uma luz, a princípio fraca e tremeluzente, chamou a atenção de Carlota, para a qual ela se dirigiu. Dominava-a a convicção de que ali, naquele ponto de luz, deveria encontrar Adão. E, não muito distante daquela luz, pôde divisar um jovem que, de braços estendidos, dava a demonstração de que a estava esperando. Era precisamente quem ela pretendia encontrar.

– Amor!!!

– Amor!!!

Abraçaram-se, beijaram-se, trocaram declarações de eterno amor. Ah, e que mãos macias as de seu querido Adãozinho! Assim, afetuosamente, ela o chamava. Como estava precisando da maciez daquelas mãos para lhe acariciar o rosto!

– Carlota, por que você demorou, meu anjo?

– Amor, não reclame. Eu estou aqui. Venha. Possua-me. Eu sou sua. Toda sua. Goze aqui em meus braços, amorzinho.

Mas, penetrando-lhe uma ponta de realidade, questionou:

– Onde estamos, querido?

– Você está comigo, em minha casa. Minha nova casa. Veja, não é uma casa bonita? Não é bem mobiliada e dentro do seu fino gosto?

Era verdade. Carlota via tudo. Estava tudo muito bem arrumado. Tudo invadido por uma luminosidade que Carlota nunca tinha visto antes em sua vida.

Entrou no quarto, nos braços de Adão, que não a largava um só instante. Levou-a até um sofá. Deitou-a ali. Beijou-a mil vezes. Num impulso brusco, puxou a gola de sua blusa. Logo, os seios hirtos qual duas frutinhas apetitosas saltaram-lhe à vista. E com as pontas dos dedos passou a acariciá-los. Carlota não se continha de tanta excitação. A sensação gostosa que estava sentindo era enorme.

Não demorou muito: dois corpos sequiosos de muito desejo se saciaram. Orgasmo espetacular e concomitante…

Mas, logo em seguida ao momento de prazer, um baque surdo. Carlota sente doerem-lhe os ilíacos. A maciez do sofá em que estava desaparecera. Fechou os olhos com a dor que sentiu. Foram muitos os seus repetidos gritos de dor. E ficou, então, na certeza de que logo Adão se apressaria em lhe acariciar a parte dolorida. Parecia que uma pedra tinha caído sobre seu corpo. Tudo isso, é bom esclarecer, se passou quando Carlota estava ainda de olhos fechados, na seqüência do clima de prazer e de satisfação que tivera com o seu amado e a dor repentina que passou a ter.

Veio-lhe, porém, a realidade, com toda a carga, ao abrir os olhos. Onde aquela luminosidade de ainda há pouco? Agora o que via eram luzes de minguada clareação. Levantou a cabeça, procurando encontrar os olhos de Adão, seus braços, suas mãos, seu corpo, enfim. Mas uma grande cruz de cimento é que se lhe deparou.

Quando amanheceu, uma jovem foi encontrada sobre uma sepultura, completamente despida. Estava completamente fora de si.

O fato foi denunciado à polícia e, no dia seguinte, os jornais traziam-no como notícia de primeira página.