EUS LIBERTOS DE COISAS
(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)
Provérbios, 6, 16-19: Seis coisas detesta o Senhor e uma sétima sua alma abomina: 1ª, olhos empinados; 2ª, língua mentirosa; 3ª, mãos que derramam sangue inocente; 4ª, coração que maquina projetos perversos; 5ª, pés velozes para correrem ao mal; 6ª, a testemunha falsa, proferindo mentiras; e, 7ª, quem semeia a discórdia entre irmãos.
As proverbiais advertências, acima relacionadas, todas e cada uma delas tidas como coisa, coisa, coisa, coisa, coisa, coisa, coisa… acho que já contei até sete! E, em torno delas, está o verbo detestar, para as seis e, para a última, o verbo abominar, que inclusive é sinônimo de detestar. A última coisa, contudo, me parece que foge ao sujeito das seis anteriores. Veja-se que as seis se voltam ao Senhor, detestando-as, mas, a última, já não se diz o Senhor como sujeito, mas a sua alma. E esse demonstrativo sua me chama agora a atenção, para perguntar: esse vocábulo sua é adjunto adnominal de quem? Do leitor do texto ou do Senhor? Permitam-me essa incursão atrevida. Por que o cronista do texto bíblico preferiu a tal estrutura frasal? O detestar e o abominar nela consignados têm direção una ou díspar? Podia ser tudo para o Senhor, sim, já que, quando se diz “sua alma”, mesmo que se refira àquela que sou, no fundo, ela me não pertence, como a que és também te não pertence, leitor. O homem não tem uma alma; ele a é, embora ela não lhe pertença. Chega o dia em que o sopro é cortado e tudo quanto criado vira pó do qual se formou o tal tudo. Mas creio que o alcance proverbial está certo no desdobramento efetuado. É que a coisa sétima, semear discórdia entre irmãos, por estar-se no nível coletivo de uma irmandade, bem diz do mal do homem carne, lançado, portanto, entre irmãos, ou seja, onde já existe e funciona um concerto de paz, enquanto as coisas anteriores, em número de seis, cada uma aponta a individualidade em si enclausurada, tal qual uma ilha do agir maldoso de cada pessoa. É diferente, pois, daquilo que o Senhor detesta. Pois a alma, sendo de Deus, e estando provisoriamente com o homem, é grave que tamanha dádiva dada à criatura feita de barro que, se nisto somente houvesse ficado, seríamos como um pedaço de coisa inanimada… O sopro, pois, é a alma, que Deus põe e dela dispõe, quando quer. Além de pôr o que é Dele para o homem dispor, concedendo-lhe um arbítrio livre, chegou este ao cúmulo da desobediência, mesmo que advertido. O não era o ponto a não ultrapassar, em uma inocência paradisíaca. Deus disse não e nesse não deixou o homem prevenido. Não poderia deixá-lo frente ao perigo, sem admoestá-lo de sua adversidade. Pois conhecer, via intelecto, gera alta responsabilidade, uma responsabilidade de deuses! A linha do conhecer intelectivo é o percurso que afasta de Deus. Este, que não é “merecível”, detesta, abomina quem vive lhe destinando louvações com intuitos de pedir salvação. Se ele é de graça, nada se há a fazer para merecê-lo. É-se, então, tanto mais radicalmente dele afastado, quanto mais se ocupa em súplicas, mediante todo o tipo de orações, que terminam nas automáticas rezas de tradicionais religiosidades. No lugar de tal proceder, ele, que é santo, por vontade exclusiva Sua (Dele), é quem pode fazer a quem escolher assim, tão separado, tão santo quanto Ele. Pois assim mesmo diz a Palavra, in Ezequiel, Capítulo 36, versículos 25-27: “Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos. Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo. Removerei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Porei em vós o meu espírito e farei com que andeis segundo minhas leis e cuideis de observar os meus preceitos”. Logo, já vislumbres com olhos de espírito, em espírito, por espírito, leitor, essa leitura que teus olhos de carne, e os meus, também, não podem alcançar, já que, finitos, impossível lhes é esse alcance do infinito e do eterno do espírito, em espírito, por espírito. E, então, passa-se à “indimensao” que nada tem a ver com coisa, com coisas, essas coisas mesmas com as quais se atrelam sentenças proverbiais a ocupações e, mais que a estas, que se atrelam a pré-ocupações, ou seja, antes mesmo de se ocupar delas, já se está com o pé no antes do acontecido, em preocupações, antes, pois, de se ocupar delas! Com a permissão do divino, o Eu no meu mim de carne e o Eu no teu ti de carne também, leitor, celebrado o respeito em armistício com o mal desse mim e desse ti de carne, facilitado se torna o embate entre não mais do Eu em mim, nem do Eu em ti, mas do tanto de Lúcifer que neles jaz e, então, este passa à briga com o crístico, na qual ele já foi perdedor, no Céu, e, agora, na Terra, ele prossegue belicoso, mas com o desate que lhe é desfavorável, porque a arma do crístico lhe fere a cabeça, e quanto a ele, o máximo que pode alcançar é o de minimamente poder ferir calcanhares (Gênesis, Capítulo 3, versículo 15). Ele sempre perde e fica, não ainda morto, mas preso, até a consumação do século. E, então, somente em “saindo-se da terra e de sua parentela” (Gênesis, Capítulo 12, versículo 1), sentença esta equivalente ao “Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo.”(Lucas, Capítulo 14, versículo 26), traspassa-se, por vontade exclusiva do divino, o estado de coisas, de coisas e de coisas, libertando-se não esse meu mim e esse teu pobre ti de carne, mas em espírito, de espírito, por espírito, libertando-se o Eu no aconchego com o crístico, de modo a se ver esse Eu livre do quaisquer influências maléficas de coisas, e de coisas e de coisas, e de coisas, e de coisas, e de coisas, e de coisas…, vejo que já se pode contar até sete!