DESFAZENDO CONFUSŌES
(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)
A liberdade que o amor de Deus proporciona – porque propícia pelo lado Dele manifesto, em sede celestial e de mundo – deixa-se à conta exclusiva de quem a ela se destina. Afinal, um anjo e mais um terço de outros (não umas tantas pedras!) terminaram precipitados para o mundo criado. Esses entes celestes sabiam discernir entre aceitarem-se, ou não, como canais receptores do mal que aquela liberdade contém. A não ser assim, os entes do céu, como anjos, seriam uns predestinados por Deus a se exibirem desprovidos de vontades, vontades obviamente sem prevalência ante aquela do próprio Deus. Entenda-se como vontade de letra inicial minúscula de anjo e de homem caídos. Aliás, desse entendimento não se faz refém o amor-central-estático-essencial (Deus), com Vontade de letra inicial maiúscula, sobretudo para quem tolhido da liberdade, quando e enquanto conjugada com o mal. Essa conjugação atingiu olhos de espírito em Lúcifer e em outros anjos, estes seguindo aquele no propósito de fazer comércio do esplendor da beleza luciferina, pretendendo serem tais quais Deus (Ezequiel, 28, 17 e 18). São, destarte, perdedores de guerra, no céu (Apocalipse, 12, 7). Mas o amor de Deus, por assim o ser (amor), continua mantendo aquela liberdade a quaisquer entes celestes e àqueles já transpostos do céu, por precipitação, para o mundo (Apocalipse, 12, 9); portanto, do céu para o mundo criado, de tal sorte que este mundo é sob o Maligno (Jó, 1, 7, Romanos, 7, 14-25, I Pedro, 5, 8, I João, 5, 19, parte final); leiam, leiam e releiam.
Deus criador, diferente de um agir solitário e singular de um fazer de luz (fiat lux), numa trina convocação Dele com o Filho e o Espírito Santo, terminaram criando, do barro, o homem e, a mulher, de uma costela daquele, ambos com ânimo de alma de sopro divino, inocentes, passando a habitarem um jardim de delícias. E, aquela mesma liberdade que coube aos anjos precipitados, tanto assim destinou-a Deus às criaturas postas naquele jardim. O anjo maior, ente celeste já então no mundo, sob a astúcia da contaminação do mal, fez por onde, de passagem, penetrasse aquele jardim onde nunca fixou residência, mas fez o pior dos estragos: enganou os privilegiados habitantes dali; pior, o Eu neles habitado se deixou influenciar. Então, a grande queda aconteceu. Os habitantes usufrutuários das delícias edênicas foram expulsos do jardim, por haverem perdido o estado de proteção e de inocência e também o Eu neles residente; passaram a habitar o grandioso derredor do dito jardim, que é o mundo todo, com os exatos ambientes sob os quais jazem os entes celestes malignos, agora serpentes do engano do mal (o conhecimento); este, sem dúvida alguma, contraposto àquele referido estado de inocência e de proteção.
Aquele privilegiado casal, um complexo de carnes, de nervos, de músculos, de ossos, carregava o sopro divino que tornava cada um alma vivente. A liberdade, tal qual como a dos anjos caídos, mexeu com uma constituição protegida que, enfim, perdeu essa condição de sopro divino imortal. Com a queda e a expulsão deles do jardim, avultou o animal, cujo ânimo de sopro divino se relativizou com a mortalidade, seja do próprio ânimo referido em si, seja da carne, dos nervos, dos músculos, dos ossos.
Ressaltar convém que os malditos anjos e agora o maldito mundo, que inclui a terra, toda ela, obviamente, sob o Maligno, como já se comprovou, passaram a constituir o imenso derredor do jardim de delícias, assim já se disse mas não custa repetir. Este é o palco onde o grandioso embate assoma assaz intrincado, havendo imperiosa necessidade de uma anulação de vontade de homem e dos tais anjos com letra inicial minúscula, pois prevalecente é aquela com letra inicial maiúscula de Deus. A guerra no céu, alhures referida, tanto quanto a astúcia da invasão do jardim, centra-se entre o Mal e Deus. No primeiro episódio, foi Miguel arcanjo quem, como propriamente o Filho Amado de Deus, combateu e terminou vencendo os anjos rebeldes, já se sabendo que terminaram eles sendo precipitados para o mundo. Relativamente à astúcia, o mais grave não reside em expulsão do jardim, mas o confronto espiritual entre o Mal e Deus, com o traço divino no casal, o Eu, fazendo-se frágil ante as influências de carne.
A resposta eficaz de Deus não adveio como por uma nova precipitação, porque esta já se corporificara. Foi, então, mediante uma promessa: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” – Gênesis, 3, 15.
Serás tu, leitor, leitora, com a tua carne, com os teus músculos, com os teus nervos, com os teus ossos ou mesmo este pobre mim também de carne, de músculos, de nervos e de ossos que ora aqui tecla produzindo este texto quem porfiará com a arma que fere cabeça?
Homens e mulheres que nutrem a certeza de que sim, de que eles próprios ferem cabeça, coitados, é porque pobremente pobre se entorpecem de venenos de eus personais gordos de ânsias de uma vontade minúscula; são esquecidos e desvalidos, a vontade com letra inicial maiúscula, de Deus, longe de ocupações e de preocupações com a montanha de carne que vive numa constante suplicação.
Pois aquele primeiro embate, no céu, se foi como continua sendo todo ele para os entes celestes que ainda se pretendam rebelar, se foi – vínhamos querendo dizer – uma batalha espiritual, também espiritual é o enfrentamento entre o Cristo e o Mal, este com arma que somente pode ferir até o calcanhar e Aquele com arma que fere cabeça. Tal como se operou, por vontade maiúscula, de Deus, o resgate do Eu residido em Jesus de Nazaré, só a mesma e única vontade é que atua no idêntico resgate do Eu em mim e do Eu em ti, leitor, leitora, pela suprema vontade de Deus, de nada valendo esforço de quem se centra em vontade sua, pretendendo aquele resgate. Estes que assim se anestesiam quando não são herodes, são pilatos, quando não são anás, são caifaz, tomados esses personagens não só na nesga de tempo de suas existências, mas em amplo sentido para todos os tempos. E ainda há a se considerar os pedros que negam, os judas que traem, os joões e os tiagos que trovejam pretensões pessoais, os paulos que se regozijam com a certeza de graças. Cabe, ainda, esclarecer que, na linhagem civil, os herodes e os pilatos representam os que, em tempos ditos de paz, arrancam, a contragosto, o salgado imposto e, na linhagem militar, os que, em tempos ditos de guerra, se fartam das armas que matam; na linhagem religiosa, os anás e os caifaz são os que se nutrem de certeza de serem representantes aprisionadores de Deus. Esta “engenharia” de propósitos pertence ao mundo, mas, por vontade divina, por seu amor, unicamente, em batalha espiritual, resgata, assim como resgatado o Eu em Jesus de Nazaré e em outros seletos e ditos santos, resgata – vínhamos considerando – o Eu de meu pobre mim e o Eu de teu pobre ti, leitor e leitora.
Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam ações como a do bom samaritano (Lucas, 10, 30-37); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, por suas mãos, se dispõem a encher talhas que podem conter água que se transforma em vinho (João, 11, 1-12, especialmente o versículo 7); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam a determinação de retirar pedra e abrir sepulcro de quem ali jaz morto há dias (João, 11, 39-44, especialmente os versículos 39 a 41); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que se aceitam sucumbidos, pela própria força bruta aparentemente suicida, destruindo edificação inimiga e, com ela, os que nela se encontravam em diversões e zombarias (Juízes, Capítulo 13 e seguintes); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que aceitam a ordem e lançam suas redes de pesca à direita do barco (João, 21, versículos 1 a 6); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que, de fugitivos, aceitam-se obedientes para falarem de Deus (Jonas, Capítulos 1, 2 e 3); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que não se deixam recriminar por um “vade retro, satanás”(Marcos, 8, versículos 27 a 33); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que não precisam ver para crer (João, 20, versículos 26 a 29); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que adocicam, por meio de salmos, o coração devorado por violências e guerras (Salmos, de 1 a 150, apesar de 1 Samuel, Capítulo 18, versículos 25 a 27, apesar de 2Samuel, Capítulo 11, versículos 1 a 27 e muitos outros episódios violentos); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que se reconhecem com pecado e, por isso, nunca atiram nem a primeira, quanto mais tantas outras pedras (João, 8, versículos 2 a 11, especialmente o versículo 7); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que aceitam, mesmo após duvidar, por vezes, banharem-se em água prometida como de cura (2Reis, 5, versículos 1 a 14); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que são batizados, em água, de religiosos processos e que fazem diminuídas as tensões de maldades por respeito aos benéficos efeitos de chacras, em sua dimensão corpórea e psíquica (1Pedro, 3, versículo 21); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que tentam levar de vencida o ego e esperam superar tentações (Mateus, 4, versículos 1 a 11); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que tentam conduzir-se por sendas bem-aventuradas (Mateus, 5, versículos 1 a 48); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que se comportam como ovelhas que aceitam pastores de lobos por eles pastores presos (João, 10, versículos 1 a 15); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que não se fazem pródigos, porque tentam uma vida de respeito aos estágios naturais dela (Lucas, 15, versículos 11 a 32); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que, ao darem uma esmola, tentam não permitirem anunciar, por trombetas, a satisfação do seu ego (Mateus, 6, versículo 2); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que aceitam não serem dignos de entrarem e cearem com Jesus (Apocalipse, 3, versículo 20); Deus querendo, o homem e a mulher, habitantes do imenso derredor do jardim primevo, encarnam os que consideram relevantes as ações (como está em Mateus, 25, versículo 35) em favor de quem tem fome (de todo tipo de fome), de quem tem sede (de todo o tipo de sede), de quem está nu (de todo o tipo de nudez), de quem está preso (de todo o tipo de prisão), de quem está doente (de todo o tipo de doença)…
Portanto, desfazem-se confusōes nunca jamais por um querer de homem ou de um querer de mulher, já que estes, com a queda e a expulsão do ambiente divino de proteção, tiveram, com isso, avultada a sua condição animal. E, no mundo, eles, com suas vontades com letra inicial minúscula, perderam a conexão com Deus. Resta-lhes, e assim têm feito no evoluir do tempo e do processo civilizatório, na linhagem civil, humanizando a sociedade; na linhagem militar, destruindo com o mínimo de perdas de vidas humanas; na linhagem religiosa, com a consciência de que tudo depende de Deus.
Então, sem necessidade de súplicas, quando menos se espera, testemunha-se o agir de Deus, que é só amor e bondade e misericórdia; para os Eus, em novel jardim – o de Getsêmani. Afinal, os Eus hão de ser reintegrados em D- de… D-Eus!
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