CEGOS

CEGOS

(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)

1 – Salmos, 69, 9 Pois o zelo da tua casa me devorou, e as afrontas dos que te afrontam caíram sobre mim.

2 – João, 2, 17 E os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devorará.

3 – A partir dessas passagens da Palavra de Deus, pode-se dizer que Jesus, com o seu zelo, há de ser visto como um revolucionário?

Cegos plenamente, ante a condição essencial, divina, do ser humano Jesus-tornado-Cristo ou do Cristo-assumido-em-Jesus, são todos aqueles homens-gênero que se detêm em apreciar o lado telúrico desse homem que, apesar daquela plenitude crística, ainda se apresenta pequeno, como não poderia deixar de ser, porque a carne, mesmo ressurrecta, ainda é continente pequeno para abrigar o eterno e o infinito da Toda-Poderosa Divindade, obviamente. Ficam, pois, como que perdidos e sem rumo certo esses que se entregam a demoradas considerações históricas, tradicionais, na vã tentativa de imprimirem importância maior a este lado, quando a importância verdadeira não tem lado, porque é justamente no eterno e no infinito do divino e do espiritualismo que esta se assume incomparavelmente essencial. 

Os olhos de espírito em Jesus de Nazaré fizeram-no, em carne, sorrir a alegria de Deus, em ter este o seu Unigênito realizado, porque residido na sua criatura excelente, o homem, que tanto o decepcionara no Jardim do Éden, mas, agora, aquele homem, também um Adão, desta feita não pura e simplesmente com Eva, mas com uma Eva de Magdala, tinha transposto, em definitivo, a desobediência original causadora de todos os males do mundo em obediência. E, como se sabe, esses males foram inoculados por meio de disfarce em serpente falante, com a qual Lúcifer,  perdedor da batalha travada no Céu, com o Arcanjo Miguel, permanece, embora derrotado, acusando o homem de ser, por natureza, contra Deus.

A Divindade, misericordiosa, ainda bem, socorre aqueles cegos, toma-os pelas mãos, desde, porém, que aquela perda de tempo deles seja a da inutilidade pura e simples que seus esforços representam, no e para o mundo; porque se os seus esforços se prestam, exatamente, ao travamento de uma batalha contra o divino, de posição diametralmente contrária a ele, enfim é despiciendo até dizê-lo, mas, em nome da melhor clareza, não custa dizer que os “burros n’água” são a inevitável consequência, para eles, coitados. Quem sabe – não o pode sentenciar este humilde escriba, mas a própria Divindade o pode – a negativa de qualquer farrapo de misericórdia para com eles seja mesmo inevitável….

Tenho por zeloso o meu Jesus histórico, mas zeloso para com os assuntos da Casa de Deus, sem nisso consistir qualquer sentido de tomada do poder que é próprio dos homens em sua organização social e política. 

Não necessito, por isso, me deter em longas e cansativas incursões ditas históricas, em detalhes mínimos até, inclusive com defesa de teses para o mundo acadêmico. Isso é coisa que só faz distrair a atenção mais especial e importante que se deve ter para com o poder divino plasmado em cristicidade no todo que foi, é e continuará sendo a compleição física e psíquica do ser que habitou na Galileia (Jesus) e que, por revelação obtida a partir de (seus?) olhos de espírito, se antecipou ao eclodir escatológico. Essa antecipação o faz autoridade intercessora única perante a Divindade, para os que, tanto homens quanto ele, possam também, em olhos de espírito, assumir a dimensão do crístico em si ou do si no crístico, tal como o Cristo-assumido-em-Jesus ou o Jesus-tornado-Cristo. Certamente, ele foi, é e continua sendo o nascido de novo que, como o vento, não sabe para onde vem nem para onde vai (João 3, 8) e que conjuga, em si, o Eu Sou, Aquele mesmo Eu Sou que falou com Moisés a partir de uma sarça ardente, no Monte Horebe (Êxodo, 3,4). 

Tudo, pois, é tão simples, direto, sem complicações. Basta que se tenha a largueza de olhar que não deverá estar nunca nas orbitárias, como nas dos que se presumem estudiosos estimulados a exibirem suas teses e conclusões acerca disso e daquilo. Fico com o meu Jesus que ri em espírito, totalmente residido do Eu Sou, tendo dito palavras imorredouras a tantos ouvidos que persistem em permanecer fechados. Os que O podem ouvir são os que Dele extraem o pão da vida que Ele conjuga com Eu Sou (Eu sou o pão da vida – João 6, 48);são os que brilham como a luz que Ele irradia junto a Eu Sou (Eu sou a luz do mundo – João 8, 12); são os que prestam atenção e O vivem na condição de porta em que Se assumiu com Eu Sou (Eu sou a porta – João 10, 9); são os que atentam e O aceitam na condição de bom pastor em que Se assumiu com Eu sou (Eu sou o bom pastor); são os que guardam e vivem a ressurreição e a vida em que Se assumiu com Eu sou (Eu sou a ressurreição e a vida – João 11, 25 e 26)); são os que seguem e não se distanciam dos limites  do caminho, da verdade e da vida, em que Se assumiu com Eu sou (Eu sou o caminho, a verdade e a vida – João 14, 6)); são, enfim, os que se organizam na condição de videira em que Se assumiu com Eu Sou (Eu sou a videira – João 15,5).

Para tudo isso, enfim, descreia-se da “essência” com a qual possa parecer valioso todo o esforço humano, que está submetido aos caprichos do tempo e das circunstâncias deste mundo. Descreia-se, assim se diz, porque, de qualquer modo, é sempre bom que nos previnamos quanto a tudo, pois só conhecendo é que assim nos acercamos de cautelas. Demo-nos ao labor de enfrentar longas e cansativas dissertações e narrativas e que, para isto, necessário é que se creia; mas um crer provisório, como provisórias são todas as coisas do mundo. Assim, vem, na sequência, a descrença que possa dar passagem à divina condição que é verdadeira e que é o que unicamente interessa. Mas essa passagem não tem, nesse conhecer provisório, a conditio sine qua non para o brilho do divino. Só mesmo os cegos que se deixam prender por esse tipo de conhecimento é que não O alcançam, seja porque ficam “atolados” na tolerante medida do Céu, seja porque essa tolerância possa não lhes acontecer por evidente estado de beligerância infantil que teimosamente os assalte…

Só assim, então, operam os olhos de espírito com o novo nascimento e o novo nascido, cujo eu, expressão divina em seu mais profundo interior, vai gozando a intimidade com Eu Sou, passando a não-ser, divinalmente, tanto quanto Ele, pão da vida, luz, porta, bom pastor, ressurreição e vida, caminho, verdade e vida, videira e muitas outras manifestações de Eu Sou das quais nos fala a Palavra, tudo isso sem nenhuma pretensão de carne, pois esta, sim, é quem costuma se demorar e se sufocar no zelo excessivo que a possa fazer destacada perante os homens.

Assim, bendito seja o zelo que se possa exercer, tal qual o exercido, em espírito, pelo eu residido em Jesus de Nazaré, como Cristo. Aos que esse tanto alcançarem, mesmo que sejam cegos fisicamente, veem, com certeza, a luz brilhante e inconfundível de Eu Sou, sem necessidade, pois, de pregar revolução. E aquele que, na seara do divino, a tanto se atreveu (Lúcifer), teve por perdida a batalha e foi precipitado para a Terra, onde continua acusando os homens de serem inimigos de Deus, e tem nela, como protagonistas, os Anás e os Caifaz (pretensos aprisionadores de Deus); os Herodes e os Pilatos (aprisionadores de homens, enquanto na guerra matam e, na paz, lhes cobram extorsivos impostos); tem, também, os Judas Iscariotis (que traem); os Pedros (que negam); os Paulos (que criam e que endossam um sistema de morte vicária), quer sejam todos esses contemporâneos do Jesus histórico, quer sejam todos do dia presente e os de um futuro que se presume muito longo, todos, sem exceção, sendo como aqueles que dizem, em estudos profundos (para eles), que Jesus foi um zeloso revolucionário.

  Que cegos!