ASSIM NÃO SEJA

ASSIM NÃO SEJA

(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)

Cruz antes do faça-se? Não, concomitantemente. O desígnio imperscrutável de Deus em, de início, epifanizar-se com um fazer de luz (fiat lux) são mesmo, esse e alguns outros fazeres, a cruz de um sofrer de existência, estando ela, portanto, intrínseca, no faça-se, e vice-versa. Aquele desígnio de um mover divino, inexistente, inexistido, atemporal, eterno, infinito, não é por uma epifania que Se Lhe impõe transcendentalidade. A imanência do faça-se é cruz em si mesmo.  A liberdade, em Deus, não chega a Lhe impor condições. O que tal liberdade contém é, como fruto do amor – sua essência -, um Cristo, como Filho, Amado Filho, mas não seria liberdade plena, acaso estabelecesse, no céu, que entes celestes fossem de um céu de prisão. Lúcifer, anjo assistente de Deus, teve essa liberdade. Dela provém não só a rebeldia de Lúcifer, como a própria luz de um fazer. Por isso que não se admite dizer de uma cruz antes do faça-se. Cruz e fazer entrelaçam-se. Em remate, o fazer, que é cruz, se estende, dentro da liberdade, à divina deliberação em tornar o anjo precipitado na terra do mundo criado, existido, confundindo-lhe o mal com a terra, e vice-versa (Romanos, 7, 14-25); mal, como visto, fruto de uma liberdade e esta como decorrência do amor. Amor, amor, amor, sempre amor, essência de Deus. Então, o que já veio como cruz, a luz de um fazer, do Filho, em espírito, o amor que tudo é e transcende, no imanente restou  presente como o mal e como o Filho. E o homem criado, com alma vivente, era luz e era cruz. Nele, uma presença de liberdade que, por ser assim, em nada dificultaria ao mal: travestido em serpente falante, fez caídos a mulher e o homem da criação protegida, apesar de habitantes bem protegidos de um jardim de delícias. A grandiosa diferença é que o mal, de ferir, ficou limitado a não passar da altura de calcanhares. Mas, ao Filho, o poder de ferir cabeça. Calcanhar e cabeça, alegorias a demonstrarem o poder de quem mais pode e o de quem menos pode, evidentemente. Logo, o homem-espírito privilegia-se. O Eu, nele, Deus, pelo Filho, fere a cabeça e prende o mal, até a consumação do século, do existir, da luz, da cruz…, enfim a inexistência de Deus… Absurdo? Absurdez nenhuma, absurdez é o mundo como uma cruz, suportada por um tempo a que o divino propriamente nem se subordina. O mundo então vem tendo a sua oportunidade de ser. Vem sendo bom de tudo um pouco, mas também vem sendo mal de todo um todo. E aos que o Eu assiste à batalha (assistir no sentido de presenciá-la) e também aos que o Eu assiste (tendo participação), dela gozam do amor de Deus, pelo Filho, todos em Deus, inexistentes, tal como Ele. Assim não seja!