CORPUS CHRISTI SEM CORPUS

CORPUS CHRISTI SEM CORPUS

(Para iniciados e iniciandos, letras mortas para profanos)

Na quinta-feira da semana (mal) dita santa, pois de inspiração e de poder de quem é pai de apego e de mentiras, Jesus de Nazaré fez uma ceia (larga) com os seus discípulos, na qual pediu para ser lembrado, com o pão e o vinho, como carne que aproveita o espírito que viria (como veio) em Pentecostes, antes, porém, passando por um Getsêmani, por uma prisão, por uma flagelação, cravejamento das mãos e dos pés, numa cruz, morrendo morte física, ressuscitando, porém, de uma “morte” das ilusões do mundo, começada a tal “morte” com as tentações sofridas, vencidas e culminadas no Gtesêmani, ascendendo ao céu e, como celebração maior, Corpus Christi, não mais a carne nem o vinho, propriamente, é o corpo que não o é, presença que não é física e faz de físico e constante e eterno e infinito o veículo do amor maior de Deus, Jesus, mesmo que você, leitor, não queira, seja por ser ateu, cristão, budista, muçulmano, etc., num Jesus como que gritando “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” e, apesar disso, o homem religioso, na prática, se exibe necessitado de um referencial, daí que criou a hóstia, como sendo aquele pão, como sendo carne e o vinho como sendo o sangue, em santíssimo sacramento, mas a certeza maior, advinda daquilo que os olhos de carne de ninguém não veem, é esse “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, não há expressão religiosa maior, agora, novamente, recaindo, também, sempre numa quinta-feira, festiva, em já tradicionais tapetes multicoloridos, sobre os quais passam fiéis em procissões, de corpo que não é corpo, de Deus que não se expressa nem em ouro, nem em prata, nem em trigo, nem em vinho, mas efetivamente se expressa nesse “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Isso, sim, embora não seja presença, torna-nos certos de vivermos com ele vivo e muito vivo em nós, desde que permaneçamos no seu amor, o amor tal como ele nos amou e que nos amando uns aos outros implica em repetir o que ele nunca deixará de ser, amor, amor, amor, sempre amor. Mas, cuidado, carne, que isso não é nem pode ser contigo, conquanto sejas residência do Eu-espírito que vive esse amor… Melhor explicando, a semana apregoada como solta aos ventos e espalhada em espalhafatosos fatos, mostrando humanas vontades, vontades de homens em aglomerados que se chamam de sociais, a daquele fenômeno justamente que fez o errante Caim fundar, como sendo a primeira das cidades, a cidade de Nod… É esta a descrição completa como santa de um cenário de sangue, sem olvidar as preliminares de chibatadas, passando em coroação com espinhos, gotas de sangue em um Getsêmani, corpo preso por cravos nas mãos e nos pés, sangue escorrendo pelo lenho. É este mesmo o quadro do homem das dores, do homem desprezado no dizer de Isaías (vide Capítulo 53, livro bíblico de igual nome), que se assume na perversa vontade dos homens. O homem iluminado, Jesus, ante cilada do demo, livrou-se das tentações, no deserto, sempre lhe bastando apegar-se a exatas passagens da palavra santa. Contudo, na tal semana, agora digo (mal) dita santa, esse tal mal se plasma seja quando afrontou o comércio do templo, seja quando, em cortejo, se fez parecer a humilde rei montado num burrico, isto como uma entrada triunfante na cidade grande. Enfim, no epílogo de tudo, lá estava o demo gargalhando ao pé da cruz, como a querer demonstrar que o mundo era dele mesmo. E é, sua estratégia está por derradeiro no pão sacramentado como partícula a que se tem chamado hóstia consagrada. E o “amai-vos como eu vos amei” se tem tornado menos ou mesmo nada importante. Põe-se porta a dentro a tal partícula, mas fora dela (da porta) permanece o “amor ao próximo” que é o mesmo que “amor de Deus”; fora da porta, pois, qual um pobre abandonado. E tal abandono mais se acentua, na medida em que grandes e majestosas se fazem as festas populares em tapetes artisticamente preparados para passar um corpo do Senhor, pisoteando de esquecimento o “amai-vos uns aos outros como eu os vos amei”.